Colonialismo químico e os impactos do uso indiscriminado de agrotóxicos.

Desde quando a humanidade deixou de habitar em cavernas e começou a desenvolver técnicas da agricultura, há cerca de 12 mil anos atrás, nossa espécie tem produzido alimentos de maneira satisfatória sem a necessidade de utilizar pesticidas e fertilizantes agroquímicos para isso. Porém, desde o início do processo da Revolução Verde, na década de 1960, os agrotóxicos tem sido disseminados de modo indiscriminado, tendo seu uso crescido de forma exorbitante e assustadora nos últimos anos. Segundo Larissa Bombardi (2023), o registro de vendas das 12 maiores empresas produtoras de agrotóxicos aumentou 27% em escala global, entre 2017 e 2020. Mesmo sendo associados a causa de diversas doenças, seu uso tem sido incentivado e a justificativa é que eles são indispensáveis para a produção de alimentos e o combate a fome no mundo. Essa é uma falácia muito utilizada, no entanto, dados contundentes contrapõe essa afirmativa. Na última década a área de produção agrícola no Brasil aumentou 30%, enquanto a fome aumentou mais de 100% (Bombardi, 2023), atingindo especialmente a área rural. O que demonstra que essa justificativa é inócua e esconde uma verdade incontestável: o uso de agroquímicos é interessante por que atende aos interesses majoritários de laboratórios internacionais que visam apenas obter seus lucros bilionários sem se preocupar com o risco que causam a saúde de bilhões de pessoas no mundo todo.

A partir do livro Agrotóxicos e colonialismo químico, de Larissa Bombardi, iremos investigar a estrutura química dos principais agrotóxicos utilizados no Brasil. São registrados diariamente, em média, 15 casos de intoxicação aguda por agrotóxicos em nosso país (Bombardi, 2023) sendo que a taxa de subnotificação para esses casos é de 50 para cada caso registrado. Várias doenças estão relacionadas a essas intoxicações. As principais são: casos de câncer, má formação fetal, desregulação endócrinas, entre outras (Bombardi, 2023). E o Brasil tem sido um dos países que mais utiliza agrotóxicos banidos na Europa, cerca de 30% são proibidos no bloco da União Europeia. Entre eles, mancozebe, atrazina, acefato, clorotalnil e clorpirifós estão entre os 10 mais vendidos no Brasil (Bombardi, 2023 p. 44, 45). E o glifosato, agroquímico mais utilizado no Brasil, tem um limite de concentração 5000 vezes maior que o permitido na União Europeia (Bombardi, 2023). São nessas substâncias que iremos nos concentrar.

Mancozebe – Fungicida muito utilizado na região centro-oeste e norte do Brasil. Possui alta toxicidade para animais aquáticos invertebrados e peixes (Bombardi, 2023). Pesquisando a literatura disponível, foram encontrados 68 distúrbios e doenças associadas a essa substância, entre elas: doenças hepáticas, neurodegenerativas (como Parkinson, por exemplo) e problemas hormonais que afetam os órgãos reprodutores e sexuais, etc.

Atrazina – Herbicida utilizado para controle de plantas daninhas, também sendo muito tóxica para a vida aquática, com efeitos duradouros. Pesquisando no site PubChem, foi identificado um alto grau de toxicidade dessa substância. Existem 67 distúrbios e doenças associadas ao uso desse pesticida, sendo o câncer de mama, morte de bebês, distúrbios musculares, Parkinson, distúrbios motores e da memória, infertilidade, hipertrofia, etc.

Acefato – É um inseticida e acaricida organofosforado que é utilizado no controle de pragas em plantações, como algodão, soja, feijão, tomate, frutas, hortaliças e plantas ornamentais. Foram encontrados 9 distúrbios e doenças associadas. As principais são distúrbios neurocognitivos, hiperglicemia, hepatomegalia, intoxicação, perda e ganho de peso, etc.

Clorotalnil – Fungicida utilizado para o tratamento de doenças em diversas culturas como: berinjela, cenoura, milho, maçã, feijão. Foram encontrados 14 distúrbios e doenças associadas. Algumas como aborto, dermatite, lesão do fígado, doença de Parkinson, lesão pré-natal e até morte.

Clorpirifós – Um inseticida que pode ser usado em diversas culturas, como: algodão, café, frutas cítricas, ervilha, feijão, entre outras. É altamente tóxico para a vida áquatica. Foram encontrados 140 distúrbios e doenças associadas. Entre elas doenças como aborto, anemia, atrofia, distúrbio do espectro autista, hiperatividade, edema cerebral, doença da medula óssea, doença no sistema digestivo, transtorno depressivo e até morte, se inalado.

Glifosato – Utilizado para eliminação de ervas daninhas em todo o Brasil. Foram encontrados 66 distúrbio e doenças associadas a esse composto, entre elas artrite, lesão renal aguda, arritmia cardíaca, transtorno do espectro autista, asma, fibrose, etc.

Observando os resultados da análise vimos que além dos impactos apresentados acima sobre a saúde humana, o uso excessivo de agrotóxicos causa também impactos ambientais como a poluição de solos e mananciais hídricos, levando a morte e migração de espécies animais, ocasionando em processos de lixiviação, desertificação, assoreamento dos rios entre outros (Caminada, 2023). O acetato e o glifosato, por exemplo, tem um impacto direto sobre as abelhas, prejudicando o seu importante papel polinizador (Ferreira, 2024).

À quem interessa o uso indiscriminado de agrotóxicos? 

Após essa análise observamos que as substâncias acima oferecem graves riscos a saúde humana e ambiental, estando a utilização desses pesticidas associadas a centenas de doenças e distúrbios. Fazendo uma correlação com o aumento significativo da insegurança alimentar nos últimos anos e com o aumento dos índices da fome, em sua forma mais grave, que dobrou no Brasil de 2013 a 2020 (Bombardi, 2023) é possível afirmar que não se justificam as alegações de que a utilização de agrotóxicos e pesticidas é fundamental para a produção de alimentos e o combate a fome.

A única justificativa aparente para a continuidade desse processo iniciado pela Revolução Verde é a implantação de um modelo lucrativo na agricultura que confere bilhões de dólares anualmente aos principais laboratórios produtores, sem as intempéries de sofrer perdas econômicas de acordo com a produtividade da safra. Nesse contexto, a União Europeia, a China e os Estados Unidos são as regiões que mais lucram com a venda de pesticidas (cerca de 26,1 bilhões de dólares em 2020) sendo que as regiões que mais utilizam os mesmos estão localizadas no sul global, tendo o Brasil se destacado como principal país consumidor de agrotóxicos do mundo (Bombardi, 2023), registrando amostras que indicam o uso acima do permitido em 25% das culturas alimentícias encontradas nos mercados (ANVISA, 2023).

Dessa forma, a busca por técnicas tradicionais que ao longo dos últimos milênios contribuiu para a produção de alimentos de forma abundante e sadia pode reverter esse quadro desastroso que vem sendo causados pelo uso abundante de agroquímicos na agricultura. É fundamental o resgate e a conservação desse conhecimento popular e ancestral, para que possamos evitar que os impactos nocivos causados por esse modelo colonialista se tornem irreversíveis. 

Não menos importante é a compreensão dos consumidores de que, ao adquirirem alimentos oriundos da agricultura familiar orgânica em feiras e pequenos mercados, estão fortalecendo uma cadeia produtiva que preserva a saúde humana e ambiental.

Agricultura Familiar, Orgânica e Agroecológica como solução.

Fica evidente o colonialismo químico que países em desenvolvimento vêm sofrendo, ao utilizarem agrotóxicos produzidos por grandes laboratórios localizados em países desenvolvidos, que obtém lucros absurdos sem se preocupar com os impactos que os pesticidas produzidos tem para o ambiente e para saúde humana. Buscar novas formas de produção de alimentos, fortalecendo a estrutura da agricultura familiar, orgânica e agroecológica, é fundamental para quebrarmos esse ciclo de dominação que perdura desde a expansão do mercantilismo, no século XV, tendo sido acirrado pela Revolução Verde.

Se torna fundamental a busca de como o conhecimento milenar da agricultura natural pode substituir esses pesticidas de forma ecológica e sustentável, fortalecendo elos da agricultura familiar e orgânica com a valorização de métodos e técnicas de cultivo ancestrais. Ao buscarmos esses métodos estaremos evitando que bilhões de dólares sejam conduzidos das economias em desenvolvimento para os ditos países desenvolvidos, beneficiando a manutenção da população camponesa nas áreas rurais. Ao fazer isso, estaremos evitando também a contaminação de mares, rios, solos, espécies animais e o planeta como um todo, diminuindo o impacto destrutivo que o uso indiscriminado dessas substâncias vem causando aos seres humanos e à biodiversidade.

Referências biliográficas:

ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Gerência-Geral de Toxicologia- GGTOX. Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA. Plano Plurianual 2017-2022. Resultados dos Ciclos 2018-2019 e 2022. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/agrotoxicos/programa-de-analise-de-residuos-em-alimentos/arquivos/apresentacao-para-2018-2022.pdf Acesso em:25/10/2024.

BOMBARDI, Larissa Mies. Agrotóxicos e colonialismo químico. São Paulo: Elefante, 2023. 103 p.

CAMINADA, S.M.L., Avaliação da presença de fármacos em lodo de estação de tratamento de esgotos, antes e após processo de biorremediação por compostagem. Saúde Soc. São Paulo, v.32, n.2, e220535pt, 2023 1. DOI 10.1590/S0104-12902023220535pt 

Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia. Resumo do Composto PubChem para CID 1982, Acephate. PubChem, https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/Acephate. Acessado em 4 de dezembro de 2024. 

Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia. Resumo do Composto PubChem para CID 2256, Atrazine. PubChem, https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/Atrazine. Acessado em 9 de dezembro de 2024.

Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia. Resumo do Composto PubChem para CID 15910, Chlorothalonil. PubChem, https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/Chlorothalonil. Acessado em 8 de dezembro de 2024.

Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia. Resumo do Composto PubChem para CID 2730, Chlorpyrifos. PubChem, https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/Chlorpyrifos. Acessado em 9 de dezembro de 2024. 

Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia. Resumo do Composto PubChem para CID 3496, Glifosato. PubChem, https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/Glyphosate. Acessado em 4 de dezembro de 2024.

Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia. Resumo do Composto PubChem para CID 76957227, Mancozeb. PubChem, https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/76957227. Acessado em 8 de dezembro de 2024.

FERREIRA LMN, Hrncir M, de Almeida DV, Bernardes RC, Lima MAP. As flutuações climáticas alteram a preferência de abelhas sem ferrão (Apidae, Meliponini) para alimentos contaminados com acefato e glifosato. Sci Total Environ (em inglês). 2024 Nov 20; 952:175892. doi: 10.1016/j.scitotenv.2024.175892. Epub, 2024, 31 de agosto. PMID: 39218107 (em inglês).

PIRES, Douglas E. V.; BLUNDELL, Tom L.; ASCHER, David B. pkCSM, 2024. Predicting small-molecule pharmacokinetic properties using graph-based signatures. Atrazina. Disponível em:https://biosig.lab.uq.edu.au/pkcsm/prediction_single/toxicity_1733319095.4 Acesso em: 06/12/2024.

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